https://www.revistamuseu.com.br/site/br/artigos/18-de-maio/18-maio-2017/2841-oconhecimento-socializado-nos-museus-favorece-a-democracia-e-a-paz-social.html
Começo meu artigo em comemoração ao Dia Internacional dos Museus de
2017 com imensas preocupações.
O Brasil vive uma grave crise política. A destituição de uma presidenta
eleita ameaça as instituições democráticas. Embora tenha assumido o vice da
chapa, assistimos a destruição do programa político eleito em 2014.
Tem sido difícil encontrar fatos a serem comemorados no âmbito dos
museus.
O primeiro ato destruidor foi justamente a extinção do Ministério da
Cultura. Embora a reação popular tenha conseguido revertê-lo, ficou evidente a inexistência
de uma política cultural programática para a área. Em um ano já foram trocados dois Ministros na
Cultura. Contingenciamentos têm gerado demissões de funcionários levando a
fechamento de museus.
tema do Dia Internacional dos
museus 2017 é inspirador para o momento.
“Museus e Histórias
Controversas: dizer o indizível em museus”. Ao colocar em relevo o papel dos museus como centros pacificadores das
relações entre os povos, o tema destaca, o como aceitar um passado doloroso
constitui um primeiro passo para contemplar um porvir comum sob o signo da
reconciliação.
Já tivemos crises políticas e golpes de Estado no Brasil. O período da
ditadura de 64 só recentemente começou a ser revelado, enfrentado e
musealizado. Ainda não nos reconciliamos efetivamente com esse período tão
traumático de nossa história. Ao contrário, tivéssemos refletido exaustivamente
sobre esse período nos museus talvez estivéssemos mais preparados para a crise
que vivemos hoje e não ouviríamos tantas pessoas pedindo a volta da ditadura.
A crise política escancara a tensão social fazendo surgir importantes e
positivos movimentos sociais sejam por direitos humanos, empoderamento das
mulheres, afirmações de gênero e raça, acolhimento mais humanizado das migrações
humanas e luta contra o capitalismo desumano que abala o convívio pacífico e
solidário entre os povos.
É um riquíssimo momento para pensarmos a função social dos museus como
instrumentos de conhecimento, de reflexão e de exercício crítico. O
conhecimento socializado nos museus favorece sem dúvida nenhuma a democracia e
a paz social.
Em 1999 iniciei a organização do museu do Banco Sudameris que tem
origem em 1900 na Banque Francaise et Italienne
pour L Amerique Du Sud, de propriedade, por sua vez, da Banca Commerciale
Italiana e a Banque de Paris et Des Pays Bas. Em 1998, o Sudameris obteve o controle acionário do Banco
América do Sul, fundado em 1940 por imigrantes japoneses. Hoje esses bancos não
existem mais. Eles foram incorporados pelo ABN AMRO Real.
Tanto o Banco Sudameris como o Banco
América do Sul foi constituído por comunidades de imigrantes italianos e
japoneses respectivamente. Os fundadores italianos do Sudameris no Brasil já
tinham conquistado fortuna e criaram uma sólida aliança com o sistema bancário
na Europa, sobretudo na Itália. A
comunidade japonesa ao contrário, encontrou na fundação do Banco América do
Sul, criado originalmente como Casa Bancária, uma forma de cooperação para o
desenvolvimento de seus empreendimentos. Não eram ricos, muito pelo contrário, esses
pequenos agricultores uniram seus parcos recursos a servir como empréstimo
bancário para seus cooperados. Não havia dono ou patrão. Era de todos e para
todos e a diretoria era eleita entre seus pares.
O Banco América do Sul possui as duas mais
preciosas obras de Manabu Mabe. São telas de grandes dimensões confeccionadas
pelo autor com sacos de arroz. Mabe era um modesto trabalhador rural e pagou
com as telas dívidas que tinha com o Banco. Essa além de outras são histórias
que estão por traz das valiosas coleções de arte das instituições bancárias.
Como a maioria dos museus de Bancos, também
o Sudameris, apesar de possuir riquíssimo acervo arquivístico e documental propicio
ao conhecimento crítico da história, por vezes polêmicas e curiosas quando não
saborosas, não é isso o que tem acontecido. A maioria se limita a exibir
numismática, moedas, talões de cheques, carteiras de correntistas, galeria de
presidentes e conselheiros e instalações físicas. Cheguei a propor à FEBRABAN a organização de
um Museu dos Bancos no Brasil, mas não houve muito interesse.
Em museus de empresa também encontramos alguns obstáculos à
musealização de suas histórias. Encontrei em minha carreira profissional várias
histórias silenciadas em inacessíveis fotos de trabalho infantil, relatórios de
greves de trabalhadores, lixos industriais esgotados nos rios, fabricas
abandonadas com poços abertos e perigosas ferragens enferrujadas e até poluição
da Baia de Todos os Santos por dejetos industriais. Fatos e fotos não exibidos
em seus Centros de Memória.
No Memorial do Imigrante encontrei também silêncios ensurdecedores.
No Museu da Pessoa contrariamente, aprendi que a história oral é uma
das formas mais solidárias e libertárias a revelar vivências. Trata-se de dar
voz à diversidade e aos verdadeiros protagonistas da história.
Dar voz aos imigrantes além da história oficial no Memorial do
Imigrante, hoje Museu da Imigração, possibilitou a construção de um debate permanente
trazendo luz para o fenômeno migratório que assistimos nos dias atuais.
As exposições em museus muitas vezes pecam por não conseguirem transmitir
ideias. Neste sentido não passam de antiquários ou, no caso dos museus de arte,
reduzidos a galerias.
O patrimônio edificado e os museus de cidade desafiam nossa capacidade
de musealização. Nesses casos somente o trabalho multidisciplinar poderá dar
conta.
A cidade de São Paulo e seu patrimônio edificado, para o olhar
desavisado, se mostrarão como resultado natural do crescimento e do desenvolvimento
econômico. Cumpre-nos desvendar os conflitos entre o interesse público e o
privado, a representação coletiva, seus benefícios e perdas.
Perdidas em algum arquivo histórico público ou privado esperam para ser
encontradas respostas às velhas e às novas questões.
A sociedade tem tomado nas mãos grandes bandeiras de luta. A nossa será
sempre desvendar todas as versões.
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