Waldisa Russio Guarnieri será sempre uma das maiores
referência na museologia brasileira. Foi pioneira em São Paulo na introdução dos
estudos e da profissionalização das atividades museológicas. Originária de uma equipe
de profissionais da antiga
Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo, que funcionava no
Palácio dos Campos Elíseos, desponta em São Paulo , nos anos 70, com seu interesse pelos
museus.
O Rio de Janeiro já contava com dois cursos de graduação em
museologia, entre eles, o primeiro fundado no Brasil em 1932, por Gustavo Dodt
Barroso e um na Bahia. Esses cursos eram os provedores de profissionais para
todo o país.
Waldisa criou o primeiro curso em São Paulo , concebido em
nível de pós-graduação Latus Sensu, com duração de três anos, de acordo com a
recomendação do ICOM. Os dois primeiros anos funcionaram no MASP, com todo o
apoio do Professor Pietro Maria Bardi. Foi nesta época que a conheci. Minha
irmã fez parte da primeira turma e eu entrei logo na segunda.
O Rio de janeiro concentrava todo o debate em torno dos
museus no Brasil. Lá era a sede brasileira do ICOM, que tinha à frente Fernanda Camargo Moro e Maria de Lourdes
Novaes que se revezavam na presidência eternamente. Lá também surge a
ABM Associação Brasileira de museologia.
No final dos anos 70 e início dos 80, os alunos do curso de
museologia de São Paulo, liderados por Waldisa, começam a participar ativamente
dos movimentos culturais e preservacionistas do Estado. O momento político era
propício aos movimentos sociais. A grande maioria dos museus no Brasil eram
públicos e nesta área, antes da Waldisa, de seu curso e de seus alunos, eram
verdadeiros depósitos de coleções oficiais que serviam na maioria das vezes, como
cabides de emprego para senhoras bem nascidas ou amigos sem profissão definida,
com algumas exceções evidentemente.
Depois de funcionar dois anos no MASP, o curso foi para a FESP
- Fundação Escola de Sociologia de São
Paulo, onde Waldisa havia se graduado em Sociologia, concluído seu mestrado
e doutorado, estes desenvolvidos no campo da museologia.
Esses precedentes, e o fato de termos crescido dentro da
FESP, uma escola de Ciências Sociais, determinaram um caráter à museologia em São Paulo diferente do
Rio de Janeiro e da Bahia. Enquanto no Rio a formação era concentrada nas
técnicas de preservação, divulgação, sistemas expositivos, catalogação e
pesquisa do objeto museológico como fim em si mesmo, testemunho de um tempo
passado, em São Paulo
se instala um debate conceitual sobre a instituição Museu e sua função social.
O objeto testemunho, pensado na nascente museologia paulista, como fato museal
significativo e relacionado ao homem no tempo museal, começava por colocar em
questão a própria categoria dos conhecimentos necessários para a formação do
profissional de museu. A museologia seria um conhecimento técnico ou científico?
O grande debate internacional (ocidental é preciso que se
diga) se estabelecia no âmbito do ICOM – Comitê
Internacional de Museus e da AAM – Associação
Americana de Museus. A Waldisa estava entre os experts internacionais,
dando sua contribuição principalmente nas questões da formação
profissional.
O fato de o curso paulista ser em nível de pós-graduação determinava
também o nível de maturidade intelectual dos que ingressavam no curso. Waldisa
envolveu importantes preservacionistas paulistas no corpo docente. Pessoas como
Julio Abe, Luis Osaka, Fabio Magalhães, Mauricio Segall, Carlos Lemos, Antonio
Arantes, Aracy Amaral, Ulpiano Bezerra de Meneses, João Sócrates, entre outros,
fizeram diferença no grande salto que as instituições museológicas alçaram na
área da Cultura no Brasil. Waldisa já era uma referencia internacional e trazia
professores estrangeiros para ministrar cursos temporários na escola da FESP,
como o professor Santoro, de história da arte de Veneza e o engenheiro quimico
Gael de Guichen do ICCROM – International
Centre for study of the Preservation and Restoration of Cultural Property e
nos envolvia com organizações como ACD, para aprendermos a trabalhar com o
público deficiente ou com o IPT – Instituto
de Pesquisa Tecnológica da USP para pensarmos juntos técnicas de guarda e
conservação.
Criamos a ASSPAM. – Associação Paulista de Museólogos.
Participávamos de grupos de Cultura nos programas dos partidos políticos da época;
juntamo-nos aos arquitetos criando um grupo de preservacionistas junto ao IAB e
militávamos ativamente para a criação de marcos legais de proteção do
patrimônio cultural, discutindo com advogados como José Afonso da Silva e Modesto
Carvalhosa. Existiam já o CONDEPHAAT e o SPHAN focados tradicionalmente no
tombamento do patrimônio edificado. Nossa participação provoca uma atenção maior
ao tombamento das coleções museológicas e arquivistas. Abraçamos o Parque do
Ibirapuera, da igreja da Penha, a casa do arquiteto Warchavchik. Era o nosso gesto
preservacionista de reconhecimento de Bem Cultural paulista.
São Paulo era um grande desafio no campo da preservação. Uma
cidade historicamente tomada pela especulação imobiliária, “a cidade que mais
cresce no Brasil”ou “locomotiva da Nação”, se destruía e se construía ao preço
da perda da memória e da própria identidade. Predominava a idéia de museus como
guardiões de tesouros para preservação da história oficial. Waldisa e sua visão
politizada da museologia, nos mostrava o valor museal das histórias dos cidadãos
comuns e das organizações da sociedade. O Museu de Bixiga do inesquecível
Armandinho teve todo o nosso apoio em trabalhos voluntários como estagiários. Assim
também os museus de bairro e de comunidades em geral.
Começamos a perceber a diferença de São Paulo em relação aos
outros Estados quando quisemos nos somar aos cariocas e baianos. O ICOM/Brasil
não nos aceitava como membros, pelo fato de não sermos alunos de curso de
graduação. No início participamos como ouvintes e fomos conquistando espaço e
respeito ao introduzirmos novos paradigmas para o debate sobre os museus.
Na década de 80 começamos a organizar em São Paulo o movimento
para a regulamentação da profissão. Foi uma grande vitória. Nesta época, já
tendo concluído o curso, fui a primeira museóloga contratada como tal, na
Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Foi também nesta época que,
participando da criação do COMPRESP, tive a oportunidade de incluir a ASSPAM no
Conselho do novo órgão de preservação municipal.
Waldisa foi mentora e amiga. Promovia encontros e festas,
muitas vezes na sua casa. Ela era exigente. Disputávamos sua aprovação. Eu
particularmente tinha ciúmes da Pierina, sua aluna predileta.
Do que conquistei no campo dos museus, e não foi pouco, devo
muito a ela. Seu pensamento e idéias revolucionárias no campo da museologia me
instigaram irremediavelmente. Minha formação em filosofia muito se desenvolveu
no enfrentamento das provocações colocadas por essa queridíssima museóloga
revolucionária.
Seu maior legado foi o profundo e amplo entendimento sobre
as instituições museológicas. Dado o caráter público e a função social dos
museus, afirmava que não poderia haver neutralidade na atividade museológica. Era,
portanto uma atividade política, na medida de nossa atuação como agentes
históricos e o museu como instituição geradora de valores culturais.
Nosso último contato foi na organização do Iº Congresso Latino
Americano de Museus realizado no Memorial da América Latina. Eu era diretora do
DEMA – Departamento de Museus e Arquivo da Secretaria de Estado da Cultura.
Pouco tempo depois Waldisa falece no México, fazendo o que sempre fez, polemizando,
defendendo e enriquecendo, com sua mente brilhante, o debate da museologia
internacional. O chefe de gabinete da Secretaria na época, Cesar Callegari, colega
de FESP de Waldisa, empreende a ida dos familiares ao México e o traslado de
seu corpo para o Brasil. Nesta época dediquei a ela um numero especial do Boletim
do DEMA.
Boa noite. Meu nome é Nelisa sou sobrinha de Waldisa Russio,meu pai é seu irmão João Francisnaldo. Achei muito interessante sua homenagem porém preciso lhe corrigir. Tia Waldisa não faleceu no México, ela teve o derrame lá e foi o Prof Jaime que entrou em contato conosco aqui no Brasil. Ninguém, além de nós mesmos, pagou as passagens ou estadias de meus pais, que foram buscá-la, e que só conseguiram trazê-la depois de alguns dias. Ela faleceu dias após voltar ao Brasil, o que deu a chance de todos nós nos despedirmos dela e em especial minha avó Isa. um abraço. Nelisa
ResponderExcluirObrigada Nelisa pelas importantes correções que aqui ficam incorporadas.
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