quarta-feira, 20 de março de 2013

Uma viagem aos Museus da China


                                                                       

“Coexista em harmonia e retenha individualidade.”
                  The Analects – Zi Lu

O fenomenal desenvolvimento pelo qual passa a China chega também a seus museus.
A globalização teoricamente quebrou barreiras e muros, no entanto, o desconhecimento e a ignorância do ocidente em relação ao oriente, perduram ainda hoje.  Durante muito tempo, para a grande maioria dos ocidentais, a idéia de mundo se resumia ao ocidente. Aos poucos ficamos sabendo que a China inventou milênios antes, muito do que o ocidente “inventou” nos séculos XVII, XVIII e XIX, inclusive a imprensa, como se pode ver no Museu Xi’an Beilin.
O título deste artigo é pretensioso.  Na verdade trata-se de impressões de viagem de uma museóloga ocidental à China, para participar da 22ª Conferência Geral do Comitê Internacional de Museus – ICOM, realizado em novembro de 2010. Nada mais apropriado para conhecer o país.
Minha imensa curiosidade por essa cultura milenar vinha sendo alimentada há muitos anos.  Não me satisfaziam as raras informações que aqui chegavam sempre superficiais e descontextualizadas tanto política quanto historicamente. Enquanto a maioria das pessoas repetia os pré-conceitos e a contra informação da grande mídia, eu buscava nas entrelinhas uma forma de conhecer melhor aquilo que eu percebia como muito antigo e muito novo a respeito desse país e de seu povo.
Foi necessário verificar com meus próprios sentidos.
Museu de Xangai


A China é este grande fenômeno de desenvolvimento como todos sabem. Com seus museus não poderia ser diferente. Ou poderia?
Antes de meu espanto diante do espetacular desenvolvimento dos museus chineses, pude confirmar mais uma vez que os museus são fenômenos planetários. Povos de culturas tão diversas nos quatro cantos do mundo preservam suas memórias e cultuam suas histórias. Trata-se da necessidade social do indivíduo e dos povos de se identificar e de se compreender como unidade parte de um coletivo. Seja na China, na Índia ou numa ilha do outro lado do mundo, existem museus. A necessidade de criá-los e mantê-los expressa a importância de socializar a própria cultura. Alguns povos, principalmente africanos preservam suas memórias através da história oral tradicionalmente transmitida pelos mais velhos, às gerações mais novas.
Os museus surgem a partir das coleções de tesouros acumulados pela elite econômica no afã de mostrar poder.
Guerreiros de Xi An

Museu de Xi An

Essas coleções são re-significadas quando tornadas públicas.
Os “tesouros”, testemunhos da riqueza cultural de todo um povo ou do cidadão comum, serão contemplados apenas no século XX. Os museus também não são prerrogativas dos países de regime capitalista. Pelo contrário, os regimes socialistas os utilizam como uma apropriação pelo povo, da sua própria história. O materialismo histórico inaugura a história inclusiva valorizando e alçando os trabalhadores a protagonista, na construção da identidade dos povos. Invertendo a supremacia da artificial criação dos Estados Nacionais protagonizados pela elite burguesa da história oficial, valoriza as organizações sociais em torno de seus valores culturais tradicionais e comunitários.
Museóloga há 30 anos, eu me perguntava como seriam os museus do outro lado do mundo. Seriam eles tão “estrangeiros” como a própria cultura oriental?
Sou do tempo da chamada Cortina de Ferro. O mundo do outro lado era envolto pela névoa da contra informação midiática. Já havia visitado a Rússia e Cuba. Há alguns anos atrás um de meus filhos foi à Índia e como sempre viajo imaginativamente com eles, perguntava: e lá como são os museus?
Essas trincheiras de preservação de cultura, antídoto à recorrente destruição e reconstrução capitalista, contribuem para o principio vital de soberania, identidade e autodeterminação dos povos.
Museu da imprensa

Deparamo-nos com os museus chineses e seus trabalhadores totalmente receptivos aos profissionais de todas as partes do mundo, que chegaram para a Conferência.
Qualquer pessoa que quer conhecer bem uma cidade, um país ou um povo, visita seus museus. Eles propiciam um mergulho nas entranhas da cultura. Mostram a causa no passado que, mesmo próximo, explica o efeito no presente.
Na China o novo está em toda parte. Tem-se a impressão que o país todo está em obras. Com atenção mais apurada pode-se ver que muitas delas são de restauração do seu vastíssimo Patrimônio histórico e artístico e dos hutongs - bairros inteiros ou aldeias da época imperial. Esses nos remetem às cidades medievais européias com ruas estreitas e labirínticas, muralhas, fosso e ponte levadiça, evidentemente, com suas peculiaridades culturais.
A escala chinesa é grandiosa. Seus museus nos contam seis mil anos de história.  Antes da revolução socialista de Mao praticamente não havia cidadãos reconhecidos como tal. O imperador e sua corte viviam encastelados em meio ao acumulo de tesouros artísticos preciosos longe do olhar do povo. A Cidade Proibida, na capital, é um espetacular exemplo, como também o Palácio de Verão nos arredores de Beijing. Uma classe de oficiais e militares habitava alguns palácios e os hutongs e o resto do povo, bem... era o resto. Milhares de escravos sem direito algum e com todos os deveres. Os que estavam escalados para o patrulhamento da imensa muralha da China, por exemplo, não viam outra paisagem por toda a vida.
Os edifícios construídos especialmente para essas instituições que são na grande maioria pós-revolução, apresentam arquitetura requintada. Espalhados por toda a China, Nacionais ou regionais mantém o padrão de grandiosidade. Ocupando áreas enormes não são, no entanto, padronizados em sua concepção. Como um ranking de projetos, talentosos arquitetos edificam diversificadas obras arte que expressam tanto liberdade de recursos e de criação, como também obediência a tradicional cultura chinesa da harmonia entre celeste e terrestre, o redondo sobre o quadrado, entre o humano e o natural. Assim podemos verificar estruturas arquitetônicas em grandes quadrados encimados por grandes abóbodas arredondadas.  Os halls de recepção são solenes e grandiosos. As várias salas expositivas apresentam museografia contemporânea e ousada sem dispensar as preciosas coleções bem conservadas ou restauradas. Desde dioramas de aldeias dos primeiros habitantes do território, arquetipicamente parecidas com nossas aldeias indígenas, com ocas e tudo mais, até a utilização de moderníssima tecnologia com mídias interativas, algumas inéditas pra mim. Como também vi na Rússia, utilizam os chamados Panoramas. Estes ambientes construídos com recursos mais artísticos que tecnológicos são constituídos de pinturas ou projeções em LED, como cenários 360 graus que, ao se aproximar do expectador se transformam em imagens tridimensionais. Muitas vezes em salas circulares o expectador fica no centro envolto como participante da cena. Sendo a reconstituição de uma cena de batalha ou uma cidade medieval com imagens em movimento, os visitantes se integram como parte da cena. A pesquisa e a produção científica são muito importantes.  As publicações primorosas e densas grandes museus de grandes cidades Bei Shan nas publicaçõe
No mesmo local onde aconteceu a Conferência pudemos conhecer uma feira com stands de serviços, de equipamentos, de museus, materiais para conservação, para exposições, mobiliário técnico, enfim, de toda a sorte de infra-estrutura para museus. Chamou minha atenção um stand de vitrines de design moderno e elegante. Dentro delas pequenas peças que pareciam estar flutuando no ar sem nenhum apoio visível. Percebendo minha curiosidade uma risonha chinesa me explica que não são peças físicas, mas imagens holográficas perfeitas de peças arqueológicas perdidas.
Estudantes uniformizados em quantidade “chinesa” estão em todas as salas e atividades dos museus.
Os laboratórios e salas de conservação são equipados com tecnologia de ponta e corpo técnico de especialista em quantidade também chinesa. Lá, os museus participam como qualquer universidade de concursos e prêmios de ciência e tecnologia e são classificados e certificados qualitativamente por experts como o ISOs existentes nos museus americanos chancelados pela AAM. O Museu de Shangai, por exemplo, já publicou 120 livros acadêmicos e catálogos desde 1959.
Esse mergulho museológico nos faz compreender a cultura milenar que sustenta a China contemporânea. A China é poderosa porque poderosa e profunda também é a sua história.

Há muitos anos escrevi um artigo que se intitulava Museus instrumentos de Conscientização e de Alienação. Afirmei que os museus podem derrubar os preconceitos e combater a ignorância, as idiossincrasias e a intolerância. São instrumentos de aproximação entre culturas.
Vi coleções dos imperadores, museus do período revolucionário, de arte antiga e sítios arqueológicos. Os templos antigos foram musealizados sem perder suas funções como lugares sagrados. O discurso museológico atribui sempre ao povo a construção do país. Para o culto a personalidades existem os Memoriais de poetas, escritores, filósofos, pioneiros, etc. No pavilhão da China na Expo Xangai 2010, que apresenta a história da construção da China aos visitantes, os trabalhadores são os que recebe todos os créditos.
Reparei que os chineses são a maioria dos visitantes nos museus. Mesmo nos grandes museus nacionais os estrangeiros são minoria. Não se vê, no entanto reverência especial aos estrangeiros. A reverência maior é em relação aos compatriotas. A prioridade nas filas é para eles. É um comportamento oposto ao que acontece no Brasil, o que sempre me pareceu uma atitude subserviente, fruto de uma rançosa mentalidade colonizada.

O tema do encontro foi Harmonia Social.

“Entendimento é favorecido pelo conhecimento e por sua vez auxilia na busca de pontos comuns, respeitando a diferença e mantendo a coexistência harmoniosa entre diferentes culturas”.


Esta é uma citação de Zheng Xinmiao Diretor do Palace Museum, situado na Cidade Proibida. Possui 1,5 milhões de objetos resultado da acumulação de 5000 anos de cultura tradicional e um importante exemplar da civilização chinesa. Aberto ao público em 1925 já recebeu um total de 300.000.000 visitantes. Anualmente recebe mais que 10 milhões, entre nacionais e estrangeiros.
O próximo encontro será no Brasil. O mundo está curioso pelo nosso país.

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